SUMÁRIO:………………………………………………………………………………………. | ||
I. | O OBJETO DA TUTELA DA LEI DE DIREITOS AUTORAIS | |
II. | O SUJEITO DE DIREITOS NA LEI DE DIREITOS AUTORAIS | |
III. | O CÍRCULO DE PODER E O CÍRCULO DE PROIBIÇÃO | |
IV. | DO PÚBLICO E DO PRIVADO | |
V. | DA JUSTA RETRIBUIÇÃO PELA UTILIZAÇÃO DOS DIREITOS AUTORAIS | |
VI. | A QUEM COMPETE AUTORIZAR A TRANSMISSÃO DE COMPOSIÇÕES MUSICAIS, FONOGRAMAS E AUDIOVISUAIS VIA INTERNET OU TELEFONE CELULAR | |
VII. | QUEM ESTÁ SUJEITO A PAGAMENTO PELA UTILIZAÇÃO DE DIREITOS AUTORAIS |
I. O OBJETO DA TUTELA DA LEI DE DIREITOS AUTORAIS
1. A expressão direitos autorais é compreensiva dos direitos de autor, propriamente ditos, e os denominados direitos conexos aos direitos de autor.
2. Os direitos de autor compreendem duas vertentes (por isso vêm no plural): os direitos patrimoniais de autor e os chamados direitos morais (que, no fundo, são direitos de personalidade). Por isso Gama Cerqueira escreveu que os direitos patrimoniais competem à pessoa como autor e os direitos morais ao autor como pessoa.
3. O mais amplo direito moral corresponde ao direito de paternidade (o direito de ser reconhecido como autor da obra ou de qualquer ato). O direito de paternidade é mais abrangente que o direito de ser reconhecido como autor de obra tutelada. Toda pessoa tem o direito de ser reconhecida como autora dos atos que praticou e de não lhe serem atribuídos atos que não praticou, independentemente do fato de ter realizado obra que não seja tutelada como criação intelectual. Assim, o autor de qualquer obra, seja obra intelectual (tutelada pela lei de direitos autorais ou pela lei de propriedade industrial, ou pela lei do software, ou pela lei das cultivares, ou qualquer outra), ou obra científica, ou descoberta, ou feitos esportivos, ou qualquer outro feito, tem o direito de ser reconhecido como tal.
4. Assim, quando o art. 3º da Lei de Direitos Autorais declara que reputam-se eles bens móveis, certamente está se referindo ao direito patrimonial de autor, definido no art. 28 como o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra (&ldquojus utendi, fruendi et abutendi&rdquo).
5. O art. 7º da Lei enumera, a título exemplificativo, as obras intelectuais protegidas como as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte. Exclui, de acordo com o art. 7º, § 3º, o conteúdo científico ou técnico, &ldquosem prejuízo dos direitos que protegem os demais campos da propriedade imaterial&rdquo. A proteção autoral recai tão somente sobre a forma literária ou artística, deixando em aberto, portanto, a tutela dos desenhos industriais, que correspondem à forma e não ao conteúdo, os quais podem aspirar à dupla proteção da lei autoral e da lei de propriedade industrial.
6. Excluídos os direitos morais de autor e os direitos que protegem os demais campos da propriedade imaterial, restam os direitos patrimoniais de autor (que recaem sobre a forma literária ou artística) e os direitos que lhe são conexos.
7. Estes são os direitos do artista, intérprete ou utante, e os direitos de natureza empresarial dos produtores de fonogramas e das empresas de radiodifusão. Estes últimos, embora de caráter industrial, são albergados pela lei autoral em vista de seu conteúdo ser constituído pelas obras dos autores e pelas interpretações e uções dos artistas (embora a elas não se restrinja, como os sons e imagens da natureza).
8. Excluídos, finalmente, os direitos conexos, restam os direitos de autor propriamente ditos, elencados no art. 7º da Lei.
9. Entre estes interessam-nos, especialmente, as composições musicais (inc. V), as adaptações e outras transformações (inc. XI) e as bases de dados criativas (inc. XIII).
II. O SUJEITO DE DIREITOS NA LEI DE DIREITOS AUTORAIS
10. Os sujeitos de direitos originários são basicamente o autor (pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica) e os artistas intérpretes ou utantes, aos quais aplicam-se as normas relativas aos direitos de autor (bem como, por excelência, os direitos morais, tendo em vista sua inseparabilidade da imagem e voz), e ainda, por extensão, os produtores fonográficos e as empresas de radiodifusão (cf. arts. 28 e 89).
11. Outros sujeitos exercem os direitos autorais por titularidade derivada (cessão legal ou contratual), licenças exclusivas ou simples exercício por determinação legal (devendo prestar contas aos titulares originais ou derivados).
12. A cessão está prevista no art. 49 e segs., no capítulo relativo à transferência dos direitos de autor, onde se verifica que o termo transferência não se refere somente à cessão (transferência de propriedade), mas também à transferência do exercício desses direitos (como licenciamento ou concessão), caso em que quem seja legitimado ao exercício desses direitos deverá prestar contas ao seu titular. Assim ocorre com o editor (art. 53 e segs.), que é um licenciado exclusivo, com o poder de exigir que se retire de circulação edição da mesma obra feita por outrem (§ 1º do art. 63).
13. Já que o § ún. do art. 11 declara que a proteção concedida ao autor (pessoa física &ndash caput) poderá aplicar-se às pessoas jurídicas nos casos previstos na Lei, o § 2º do art. 17 estabelece caber ao organizador a titularidade dos direitos patrimoniais sobre o conjunto da obra coletiva (o organizador pode ser pessoa física ou jurídica &ndash art. 5º, inc. VIII, h). Assim, pode-se vislumbrar o organizador de base de dados como pessoa jurídica, bem como a empresa produtora de programas de computador (Lei nº 9.609, de 1998) e as empresas cinematográficas e de radiodifusão (art. 68, § 7º).
14. Quanto aos artistas (intérpretes ou utantes) são eles titulares originários de direitos autorais (conexos ao direito de autor), sendo, no caso de pluralidade de artistas, seus direitos exercidos pelo diretor do conjunto (art. 90, § 1º).
15. Aos produtores de fonogramas e empresas de radiodifusão a Lei lhes confere direitos exclusivos, na conformidade dos arts. 93 e 95. Por força do art. 89, os artistas, produtores de fonogramas e de radiodifusão são titulares originários de direitos conexos de autor.
16. Os organizadores de obras literárias, bases de dados, programas de computador, obras audiovisuais e outras obras coletivas são titulares originários de direitos de autor. Devem, porém, prestar contas (conforme contrato) aos participantes individuais das obras coletivas (cf. art. 17 § 3º, art. 82, arts. 94 e 95).
17. Ao organizador de obra audiovisual a Lei dá a designação de produtor, a mesma que dá ao produtor de fonograma, embora o primeiro seja titular de direito de autor e o produtor de fonograma de direito conexo ao direito de autor.
18. O legislador parece indeciso ao qualificar o titular de direitos de autor da obra audiovisual. Por um lado, cabe na definição de obra coletiva do art. 5º, VIII, h. Por outro lado, no art. 16, estabelece que são co-autores o autor do assunto ou argumento literário, musical ou litero-musical e o diretor. E, já no § 2º do art. 17, que &ldquocabe ao organizador a titularidade dos direitos patrimoniais sobre o conjunto da obra coletiva&rdquo.
19. Se se entende o produtor de obra audiovisual como organizador, será ele quem exerce o direito de autorizar a utilização da obra. Se se considera obra em co-autoria, o produtor (será ele co-autor?), o autor do assunto (literário, musical ou lítero-musical) o diretor e os eventuais criadores de desenhos animados (§ ún. do art. 16) deverão todos exercer o direito de comum acordo (art. 23), ou decidindo por maioria (art. 32, § 1º), em caso de obra indivisível.
20. Ao menos, está claro que o exercício dos direitos morais cabe exclusivamente ao diretor da obra audiovisual (art. 25).
21. Parece inafastável a conclusão de que o exercício dos direitos patrimoniais de autor da obra audiovisual compete ao produtor por força do § 2º do art. 17. Embora não lhe compita a titularidade exclusiva, compete-lhe o exercício desse direito sobre obra &ldquoque é constituída pela participação de diferentes autores que são, portanto, co-autores, cujas contribuições se fundem numa criação autônoma&rdquo. Teríamos, assim, obras em co-autoria sem organizador e obras em co-autoria com organizador, caso em que o exercício do direito patrimonial compete a este.
22. Além desses diversos titulares do exercício dos direitos autorais (direitos de autor e conexos), poderão os autores e titulares de direitos conexos (artistas, produtores de fonogramas e empresas de radiodifusão) constituir associações para o exercício e defesa de seus direitos (art. 97), as quais se tornarão &ldquomandatárias de seus associados para a prática de todos os atos necessários à defesa judicial ou extrajudicial de seus direitos autorais, bem como para sua cobrança&rdquo (art. 98).
23. Caso se trate de cobrança (arrecadação e distribuição) de &ldquodireitos relativos à ução pública das obras musicais e litero-musicais e de fonogramas, inclusive por meio de radiodifusão e transmissão por qualquer modalidade, e da exibição de obras audiovisuais&rdquo, as associações manterão um único escritório central (art. 99).
24. Esse escritório central será considerado substituto processual das associações e titulares a elas vinculados (§ 2º do art. 99).
25. Dessa forma, o exercício dos direitos autorais compete:
– aos autores e artistas pessoalmente (§ ún. do art. 98)
– aos cessionários dos autores, porque exercem direito próprio
– aos editores, na vigência do contrato de edição
– aos co-autores em conjunto, ou por maioria, na ausência de organizador
– ao diretor do conjunto de vários artistas
– ao organizador de obra coletiva
– ao produtor de fonograma, por si quanto à fixação sonora e em representação dos artistas (art. 94) e, eventualmente, dos autores ou de seus editores (na vigência do contrato de edição)
– ao produtor de obra audiovisual, por si quanto à obra coletiva e, eventualmente, quanto à remuneração dos co-autores (art. 84) e artistas (art. 82, I)
– às empresas de radiodifusão, quanto às suas emissões (art. 95)
– às associações de titulares (arts. 97 e 98)
– ao escritório central de arrecadação e distribuição (art. 99 e seu § 2º).
26. Assim, os autores, artistas, cessionários, organizadores, co-autores, produtores de fonogramas, de obras audiovisuais e de emissões agem em nome próprio. Os editores agem em nome próprio e em representação dos autores. O diretor do conjunto, a maioria dos co-autores, os produtores de fonogramas, de obras audiovisuais e de emissões agem, também, em nome do conjunto, dos co-autores e dos autores e artistas (ou seus editores) que colaboraram na ução da obra.
27. As associações agem em nome dos autores, artistas, organizadores, editores e produtores de fonogramas a elas associados. O escritório central age em nome das associações e de seus associados. Cada qual, nessa pirâmide, deverá prestar contas ao representante imediatamente inferior, e assim por diante (ou, para trás).
28. A autorização do ECAD supre as autorizações das associações a destas, a dos autores, artistas, organizadores, editores e produtores. A autorização dos organizadores, editores e produtores supre a dos autores e artistas.
29. Na ordem inversa, a autorização direta dos titulares de direitos autorais elimina a necessidade de autorização dos níveis superiores (associações e escritório central), devendo os titulares comunicar o fato às associações a que estiverem filiados (§ ún. do art. 98).
III. O CÍRCULO DE PODER E O CÍRCULO DE PROIBIÇÃO
30. O círculo de poder compete aos diversos titulares de direitos autorais o círculo de proibição a todos os agentes que têm o exercício desses direitos.
31. Aos autores a Lei confere &ldquoo direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica&rdquo (art. 28). Esse direito aplica-se, &ldquono que couber, aos direitos dos artistas intérpretes ou utantes, dos produtores fonográficos e das empresas de radiodifusão&rdquo (art. 89), sem prejuízo das garantias asseguradas aos autores (art. 89, § ún.).
32. O círculo de proibição compete não só aos autores e titulares de direitos conexos, mas a todos os agentes mencionados no capítulo anterior. Refere-se à utilização por terceiros, dependente de autorização desses agentes na forma acima explicitada.
33. Esse direito de proibir (&ldquojus prohibendi&rdquo) é exercido no campo público, com exclusão da vida privada, como será melhor analisado no capítulo seguinte.
34. Nesse sentido, poderíamos empregar o verbo divulgar como objeto do direito de excluir terceiros. Essa divulgação pode-se dar por reprodução material (aí incluída a reprodução em meio eletrônico) ou imaterial (comunicação ao público). A reprodução consiste em ato imediatamente anterior à comunicação ao público, por isso entra no círculo de proibição.
35. Dessa forma, podemos dividir os atos dependentes de autorização, elencados no art. 29 da Lei:
Reprodução: | I- | a reprodução parcial ou integral |
II- | a edição | |
V- | a inclusão em fonograma ou produção audiovisual | |
VI- | a distribuição (de reproduções), aí incluída a distribuição para oferta por cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema (VII) | |
IX- | a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gênero. |
Observe-se que a distribuição prevista nos incisos VI e VII não constitui ato de reprodução, mas de comercialização da obra reproduzida. Assim, se a obra foi reproduzida mediante a devida autorização para colocação no mercado, a sua distribuição e oferta está implicitamente autorizada, ocorrendo a exaustão de direitos do titular (conforme art. 30 e seu § 1º, respeitada a independência das diversas modalidades de utilização da obra, estipulada no art. 31). Observe-se, mais, que quanto à adaptação, arranjo musical e quaisquer outras transformações (III) e a tradução (IV) não dependem de autorização o que depende de autorização é sua reprodução ou sua comunicação ao público, respeitados os limites entre a vida privada e a comunicação ao público.
36. | Comunicação ao público, sem reprodução: | ||
VIII – | a) | representação, recitação ou declamação | |
b) | ução musical | ||
c) | emprego de auto-falantes ou de sistemas análogos | ||
d) | radiodifusão sonora ou televisiva | ||
e) | captação de transmissão de radiodifusão em locais de freqüência coletiva | ||
f) | sonorização ambiental | ||
g) | a exibição audiovisual, cinematográfica ou por processo assemelhado | ||
h) | emprego de satélites artificiais | ||
i) | emprego de sistemas óticos, fios telefônicos ou não, cabos de qualquer tipo e meios de comunicação similares que venham a ser adotados | ||
j) | exposição de obras de artes plásticas e figurativas. |
Como veremos, aqui o círculo de proibição abrange o que for comunicação ao público e não alcança a vida privada. Esta restrição está explicitada no art. 68, que se refere a representações e uções públicas, definindo-as nos §§ 1º, 2º e 3º.
37. No que se refere aos artistas (art. 90), além dos atos de reprodução, distribuição e comunicação ao público, encontramos o ato de fixação, também dependente de autorização (bem como a locação das suas interpretações ou uções fixadas). Bem assim, os produtores fonográficos (art. 93) e as empresas de radiodifusão (art. 96).
IV. DO PÚBLICO E DO PRIVADO
38. Como vimos, os círculos de poder e de proibição não atingem as comunicações (imateriais) privadas, mas as comunicações ao público. Sobre o sentido de público e privado, vide W Moraes, in &ldquoPosição Sistemática dos Artistas, Intérpretes e Executantes&rdquo (tese de cátedra na Fac. de Direito da USP, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1973).
39. Quanto à reprodução é que, aparentemente, os limites entre o público e o privado estão sendo rompidos.
40. Não é assim na lei de software, n. 9.609, de 1998, na qual o § 1º do art. 12 tipifica a conduta daquele que &ldquoreproduz para fins de comércio&rdquo programa de computador. Bem assim o § 2º, que pune aquele que &ldquovende, expõe à venda, introduz no País, adquire, oculta ou tem em depósito, para fins de comércio, original ou cópia de programa de computador, produzido com violação de direito autoral&rdquo. O fim de comércio é que constitui a vertente pública da utilização.
41. Assim também na Lei de Propriedade Industrial n. 9.279, de 1996, que considera não infringirem os direitos do titular de patente &ldquoos atos praticados por terceiros não autorizados, em caráter privado e sem finalidade comercial, desde que não acarretem prejuízo ao interesse econômico do titular da patente&rdquo (art. 43, I).
42. Vamos, pois, reexaminar os dispositivos da Lei de Direitos Autorais, à vista da discriminação entre público e privado, considerando público o que ocorre no seio da empresa, já que sua atividade se dirige ao mercado, que é público.
43. Revisando o art. 29, a reprodução parcial ou integral (I) só deveria ser considerada ilícita quando se tratasse de multiplicação (para fins de comércio), o que equivale à edição (II). A adaptação e outras transformações (III), a tradução (IV) e a inclusão em fonograma ou audiovisual (V) não é ilícita se realizada no âmbito da vida privada, no recesso familiar. Todos os atos de ução relacionados nas letras a) a g) do inc. VIII são excluídos do círculo de proibição, de acordo com interpretação sistemática em consonância com o art. 68 e seus §§. Se o emprego de meios tecnológicos de informação (letras h e i do inc. VIII) se realiza entre particulares, no ambiente privado, também não ocorre infração.
44. O mesmo vale para a letra j) do mesmo inciso: a exposição de obras de artes plásticas e figurativas no ambiente privado é livre. Da mesma forma, a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento são livres para os particulares, pois a regra tem de ser a mesma que se aplica às obras de artes plásticas e figurativas (nem se diga que a reprodução de obra de arte plástica depende de autorização do autor, de acordo com os arts. 77 e 78, pois vale o mesmo discrímen entre público e privado ? que o digam os estudantes de arte que copiam as pinturas exibidas em Firenze, meticulosamente, para uso privado).
45. Assim, o art. 30 e seu § 1º são abundantes, se não de caráter meramente didático, ao esclarecer que &ldquoo titular dos direitos autorais poderá colocar à disposição do público a obra&rdquo (caput), bem como aquele devidamente autorizado pelo titular (§ 1º).
46. O círculo de proibição é esclarecido nos arts. 102 e segs., relativos às sanções civis às violações de direitos autorais.
47. O art. 102 confere ao titular o direito de apreender os exemplares reproduzidos ou suspender sua divulgação. O art. 104 estabelece a responsabilidade solidária para aquele que distribuir… obra ou fonograma reproduzido com fraude, com a finalidade de vender, etc… (a reprodução privada não é feita com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem). No mesmo sentido deve ser interpretado o art. 105, que cuida da suspensão da transmissão, da retransmissão e da comunicação ao público de obras, interpretações e fonogramas.
48. Esse exercício de diferenciar o público do privado pode ser aplicado às denominadas limitações aos direitos autorais, relacionadas no art. 46 (outras limitações já foram abordadas acima). O direito à informação (de interesse público) se acha expresso no inc. I, a), b) e d). O direito de acesso à cultura (também de interesse público) se encontra nos incs. II, III, IV e VIII. O direito à Justiça encontra amparo no inc. VII (bem como no inc. IV do art. 8º). Exceção ao direito de reprodução se acha em c) do inc. I (retrato feito sob encomenda ? aspecto privado), e ao direito de representação e ução no recesso familiar ou nos estabelecimentos de ensino (VI). Até o direito ao humor excepciona o direito autoral (art. 47). Destaque-se que o inc. II limita o direito de cópia privada a pequenos trechos, o que merece ser repensado.
V. DA JUSTA RETRIBUIÇÃO PELA UTILIZAÇÃO DOS DIREITOS AUTORAIS
49. Tratando-se dos direitos patrimoniais de autor (e dos direitos conexos) objeto do &ldquojus utendi, fruendi et abutendi&rdquo, via de regra os preços de aquisição (disposição) e de utilização (fruição) são estabelecidos por via contratual entre o interessado na aquisição ou utilização e o titular do direito ou seus substitutos (que exercem o direito), de acordo com o princípio da autonomia da vontade.
50. Diversas são as referências da Lei a essas retribuições. Assim:
– § 3º do art. 17 &ndash o contrato com o organizador especificará a contribuição do participante, o prazo para entrega ou realização, a remuneração e demais condições para sua ução.
– Art. 30 &ndash No exercício do direito de reprodução, o titular dos direitos autorais poderá colocar à disposição do público a obra, na forma, local e pelo tempo que desejar, a título oneroso ou gratuito. Assim também o § 3º desse artigo, que menciona &ldquoos registros que permitam, ao autor, a fiscalização do aproveitamento econômico da exploração.&rdquo
– Art. 50 &ndash A cessão total ou parcial dos direitos de autor, que se fará sempre por escrito, presume-se onerosa. O § 2º menciona, a seguir, o tempo, lugar e preço.
– Art. 57 &ndash O preço da retribuição será arbitrado, com base nos usos e costumes, sempre que no contrato não a tiver estipulado expressamente o autor.
– § 4º do art. 68 &ndash Previamente à realização da ução pública, o empresário deverá apresentar ao escritório central, previsto no art. 99, a comprovação dos recolhimentos relativos aos direitos autorais.
– § 5º do art. 68 &ndash Quando a remuneração depender da freqüência do público, poderá o empresário, por convênio com o escritório central, pagar o preço após a realização da ução pública.
– § 7º do art. 68 &ndash As empresas cinematográficas e de radiodifusão manterão à imediata disposição dos interessados, cópia autêntica dos contratos, ajustes ou acordos, individuais ou coletivos, autorizando e disciplinando a remuneração por ução pública das obras musicais e fonogramas contidas em seus programas ou obras audiovisuais.
– Art. 82, I &ndash A remuneração devida pelo produtor aos co-autores da obra e aos artistas intérpretes e utantes, bem como o tempo, lugar e forma de pagamento.
– § ún. do art. 91 &ndash A reutilização subseqüente da fixação, no País ou no exterior, somente será lícita mediante autorização escrita dos titulares de bens intelectuais incluídos no programa, devida uma remuneração adicional aos titulares para cada nova utilização.
– Art. 94 &ndash Cabe ao produtor fonográfico perceber dos usuários a que se refere o art. 68, e parágrafos, desta Lei os proventos pecuniários resultantes da ução pública dos fonogramas e repartí-los com os artistas, na forma convencionada entre eles ou suas associações.
– Art. 98 &ndash Com o ato de filiação, as associações tornam-se mandatárias de seus associados para a prática de todos os atos necessários à defesa judicial ou extrajudicial de seus direitos autorais, bem como para sua cobrança.
– Art. 99 &ndash As associações manterão um único escritório central para a arrecadação e distribuição, em comum, dos direitos relativos à ução pública das obras musicais e lítero-musicais e de fonogramas, inclusive por meio da radiodifusão e transmissão por qualquer modalidade, e da exibição de obras audiovisuais.
– Art. 103 &ndash Quem editar obra literária, artística ou científica, sem autorização do titular, perderá para este os exemplares que se apreenderem e pagar-lhe-á o preço dos que tiver vendido.
– § ún.: Não se conhecendo o número de exemplares que constituem a edição fraudulenta, pagará o transgressor o valor de 3.000 (três mil) exemplares, além dos apreendidos.
51. A disposição do § ún. do art. 103 não é preço nem indenização, mas multa civil, nas palavras de José de Oliveira Ascenção. Multas também são previstas no art. 105 pela transmissão, retransmissão e comunicação ao público de obras, interpretações e fonogramas sem a devida autorização dos titulares dos direitos autorais (ou de seus editores, associações ou escritório central).
52. A posição do ECAD no topo da pirâmide o deixa isolado para impor o preço de retribuição de utilização dos direitos de ução pública, sem oportunidade de negociação entre os interessados.
53. A título de exemplo, tabela do ECAD publicada no DOU de 24/09/1989 (Seção I, pp. 123/131) previa um pagamento de R$5,88 ao mês para cada grupo de 10 aparelhos telefônicos existentes em empresa que utilizasse o sistema de espera telefônica.
54. Essa tabela, trazida a título exemplificativo, foi estabelecida quando ainda existia o CONSELHO NACIONAL DE DIREITO AUTORAL, o qual, entre outras atribuições, fiscalizava o ECAD (o CNDA foi extinto no Governo Collor).
55. A matéria já foi submetida ao CADE, já que o ECAD exerce uma função monopolista, sem sucesso. Ao que consta, está em andamento no Congresso Nacional uma CPI a respeito.
56. A questão permanece nebulosa, a criar insegurança para as empresas de telecomunicações.
VI. A QUEM COMPETE AUTORIZAR A TRANSMISSÃO DE COMPOSIÇÕES MUSICAIS, FONOGRAMAS E AUDIOVISUAIS VIA INTERNET OU TELEFONE CELULAR
57. Caso se trate de composição musical (sem intérprete ou utante, ou fonograma) a autorização compete ao autor (art. 29). Se o autor transmitiu ao editor o direito de ução pública, essa autorização deve ser dada pelo editor (art. 53). Se o autor (ou o editor) aderiram a uma associação de gestão coletiva, a esta compete dar a autorização (art. 98). A arrecadação e distribuição deverá ser feita pelo escritório central (ECAD). A autorização, seja de autor (ou editor), seja da associação, seja do ECAD, basta, isoladamente, para legalizar a ução pública.
58. Caso se trate de um fonograma, os direitos de ução pública competem ao produtor do fonograma (arts. 93 e 94). Ou à associação de que faça parte. A autorização do produtor, ou da associação, ou do ECAD é suficiente, isoladamente.
59. Caso se trate de um audiovisual, a transmissão de imagens depende exclusivamente da autorização do produtor. Mas cada ução musical depende de autorização na forma do parágrafo anterior (art. 86).
60. Entendemos que essas formas de transmissão não colocam a &ldquodegustação&rdquo ao abrigo da isenção do inc. V do art. 46. Esse procedimento também depende de autorização, na conformidade do disposto no § 1º do art. 30.
61. Caso, porém, o usuário &ldquoadquira&rdquo licitamente uma cópia mediante pagamento e armazenamento no seu próprio aparelho, as utilizações posteriores que faça são lícitas, pois não só ocorreu a exaustão de direitos do titular como se trata de uso em ambiente privado. Mesmo que o usuário receba uma chamada musical em local público, tal não pode ser considerado uma ução pública (será, no máximo, uma invasão da privacidade dos demais).
62. Melhor esclarecendo:
– Se essa &ldquodegustação&rdquo ocorre em estabelecimentos que comercializam suportes ou equipamentos (p. ex. aparelhos celulares), a utilização de obras, interpretações, fonogramas ou transmissões independe de autorização, caso essa utilização seja feita &ldquoexclusivamente para demonstração à clientela&rdquo (Art. 46, V).
– Se a &ldquodegustação&rdquo é feita através de transmissão (via internet ou telefonia) para comercialização da própria obra (p. ex. um ring tone) ela depende de autorização, mas essa autorização está incluída na autorização de comercialização &ldquoquando ela for temporária e apenas tiver o propósito de tornar a obra, fonograma ou interpretação perceptível em meio eletrônico ou quando for de natureza transitória e incidental, desde que ocorra no curso do uso devidamente autorizado da obra, pelo titular&rdquo (§ 1º do art. 30). Ou seja, aquele que está autorizado a comercializar a obra está também autorizado a fixá-la e exibí-la &ldquoem meio eletrônico ou quando for de natureza transitória ou incidental&rdquo. Nessa hipótese, não se trata de ução pública mas de distribuição (Art. 5º, incs. IV e V).
– O usuário que adquire ou aluga ou copia poderá utilizá-la livremente em seu aparelho, pois trata-se de uso privado (Art. 46, VI).
VII. QUEM ESTÁ SUJEITO A PAGAMENTO PELA UTILIZAÇÃO DE DIREITOS AUTORAIS
63. Em princípio, estão excluídos aqueles que utilizam obras, interpretações, fonogramas, audiovisuais e transmissões em caráter privado (vide Cap. IV acima).
64. Estão sujeitos a autorização e pagamento aqueles (em geral empresas) que praticam os atos relacionados no art. 29 da Lei. A autorização deve ser específica para cada espécie de utilização, de acordo com o art. 31:
&ldquoAs diversas modalidades de utilização de obras literárias, artísticas ou científicas ou de fonogramas são independentes entre si e a autorização concedida pelo autor ou pelo produtor, respectivamente, não se estende a quaisquer das demais&rdquo.
65. Assim, a autorização para &ldquoa inclusão em base de dados, e armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gênero&rdquo (Art. 29, IX) não compreende a distribuição (Art. 29, VI), nem a distribuição para oferta (Art. 29, VII), nem qualquer outra forma de comunicação ao público, como ução musical, radiodifusão, emprego de satélites artificiais, sistemas óticos, fios telefônicos ou não, cabos de qualquer tipo e meios de comunicação similares (Art. 29, inc. VIII, b, d, h e i).
66. A distribuição independe de autorização específica quando &ldquointrínseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros para uso ou exploração da obra&rdquo (Art. 29, VII). A mesma regra vale para &ldquoa distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para percebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos em que o acesso às obras ou produções se faça por qualquer sistema que importe em pagamento pelo usuário&rdquo (Art. 29, VII).
67. Assim, se um provedor de conteúdo contrata tão somente o direito de armazenamento (o qual constitui uma reprodução conforme definição do inc. VI do art. 5º) não está automaticamente autorizado à comunicação ao público, exceto se intrínseca ao contrato firmado. Caso o provedor de conteúdo receba a autorização de comunicação ao público (específica ou intrínseca ao contrato) mas essa comunicação seja feita através de outra empresa (de telecomunicações), essa empresa necessitará de autorização específica para a divulgação (e armazenamento, se for o caso).
68. O ECAD pode autorizar a ução pública (caso os titulares sejam membros de uma das associações previstas no art. 97), mas não tem poderes para autorizar o armazenamento, exceto se intrínseco ao contrato (Art. 29, VII, a contrario sensu). Bem assim, podem fazê-lo as associações ou os próprios titulares do direito.
69. Finalmente, verificado tratar-se de obra protegida, obtida a autorização de quem de direito e pago o justo preço, o usuário de um telefone celular poderá atender ao ring tone e comunicar-se com outra pessoa, sem nada dever por essa comunicação privada aos detentores dos direitos autorais (exceto se essa comunicação for transmitida por radiodifusão sonora ou televisiva ou incluída em fonograma ou produção audiovisual – Art. 29, V e VIII d).
70. Se a obra, interpretação ou fonograma já estiverem no domínio público (art. 45) nenhum desses atos está sujeito à autorização de quem quer que seja, caso contrário os aliados estariam devendo vultosa soma aos herdeiros de Beethoven pela transmissão dos quatro primeiros acordes da 5ª sinfonia durante a invasão da Normandia (teriam eles utilizado uma interpretação de Von Karajan gravada pela Deutsche Gramophon?).